quinta-feira, 2 de julho de 2020

Mecanismo de Solidariedade: divagações a partir do caso Arthur x Pjanic


Em tempos de receitas minguadas no futebol, como o atual, o mecanismo de solidariedade imposto pela FIFA adquire uma maior relevância aos clubes de futebol brasileiros, mundialmente reconhecidos pela sua capacidade de formação de atletas. De acordo com o mecanismo, até 5% do valor que um jogador foi transacionado é devido aos seus clubes formadores, sendo 0,25% por ano entre o 12º e 15º aniversário e 0,5% por ano entre o 16º e 23º aniversário. Ou seja, a equipe responsável pelo jogador durante cada uma dessas fase de sua formação, terá direito ao percentual respectivo em qualquer transação que o envolva durante toda sua carreira de atleta profissional.



Recentemente, a negociação dos jogadores Arthur e Pjanic entre Barcelona (ESP) e Juventus (ITA) trouxe um aspecto desse mecanismo à tona: o valor sobre o qual o mecanismo de solidariedade deve incidir. Isso porque, a essência da transação em questão consistiria em uma troca (permuta) pela qual o Barcelona (ESP) cederia Arthur à Juventus (ITA) e, em troca, receberia Pjanic mais €10mi.

Nesse cenário, muitos especularam que os clubes brasileiros formadores de Arthur (Grêmio e Goiás com direito a, respectivamente e aproximadamente, 3,5% e 0,75%) teriam o seu direito de mecanismo de solidariedade calculado apenas sobre a contraprestação recebida em dinheiro pelo Barcelona (ESP), no caso os €10mi.

Arthur Melo, Miralem Pjanic swap deal nears completion as clubs ...
Crédito: Football Espana 
O que se verificou, no entanto, foi a formalização da transação de um modo que se denominou “engenharia fiscal”, pelo qual o Barcelona efetivamente vendeu Arthur à Juventus por €72mi (com €10mi adicionais vinculados a cláusulas de desempenho) nesse exercício social que se encerra em 30/06/2020, ao mesmo tempo em que a Juventus venderá Pjanic ao Barcelona por €60mi no exercício social seguinte. A motivação por trás dessa “engenharia fiscal” é o atendimento por ambos os clubes dos parâmetros de Fair Play Financeiro impostos pela UEFA.

Independente dessa motivação, o fato é que a forma como a negociação foi estabelecida, simplificou a questão do cálculo do mecanismo de solidariedade devido aos clubes formadores de Arthur, o qual será simplesmente calculado sobre o montante inicial de €72mi, podendo ainda ser acrescido pela ativação de alguma das cláusulas de desempenho de até €10mi no futuro.

De qualquer modo, mesmo que a negociação tivesse sido formalizada como uma troca, a conclusão quanto ao mecanismo de solidariedade não seria muito diversa. Isso porque, é entendimento pacífico do Tribunal Arbitral do Sport – TAS de que devem ser considerados no valor da transação sobre o qual incidirá o mecanismo de solidariedade todas as formas de contraprestação, no que se inclui direitos de outros jogadores cedidos. Justifica essa conclusão no argumento de que as regras pertinentes a esse mecanismo devem ser interpretadas no sentido de promover os interesses por trás dele, quais sejam, compensar e incentivar os clubes formadores de atletas de futebol.

Importante frisar, no entanto, que a Decisão Arbitral (CAS 2012/A/2929) que estabeleceu esse entendimento considera que a mensuração do direito de jogador eventualmente cedido em uma troca deve se ater ao valor atribuído pelos clubes envolvidos no instrumento que formalizou aquela permuta. Tal interpretação abre brechas a distorções, na medida em que os clubes envolvidos podem, de comum acordo, decidir atribuir valores irrisórios a jogadores tendo por uma das finalidades, justamente, diminuir o montante devido a título de mecanismo de solidariedade.

Melhor seria considerar o valor justo do atleta, que nesse caso geralmente se confundirá com seu valor de mercado. Apesar de essa espécie de mensuração estar sujeita a algum grau de subjetividade, é possível preveni-la com a contratação de profissionais avaliadores imparciais. Melhor isso do que sujeitar-se à fraude, conforme proporcionado pelo outro modelo, prejudicando, assim, a finalidade do mecanismo da solidariedade.

Em um cenário de escassez de recursos financeiros no setor futebolístico, como o proporcionado nesse momento pela pandemia da Covid-19, as trocas de jogadores entre clubes tendem a se tornar cada vez mais comuns, propiciando a eles suprirem suas necessidades desportivas sem necessariamente terem de desembolsar quantias em dinheiro. Por essa razão, a questão levantada a respeito da melhor forma de se mensurar os direitos cedidos de jogadores em trocas entre clubes, para fins de cálculo do mecanismo de solidariedade, talvez justifique a revisão do entendimento do TAS no sentido proposto.

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