Em tempos de receitas minguadas no futebol, como o atual, o
mecanismo de solidariedade imposto pela FIFA adquire uma maior relevância aos
clubes de futebol brasileiros, mundialmente reconhecidos pela sua capacidade de
formação de atletas. De acordo com o mecanismo, até 5% do valor que um
jogador foi transacionado é devido aos seus clubes formadores, sendo 0,25% por
ano entre o 12º e 15º aniversário e 0,5% por ano entre o 16º e 23º aniversário.
Ou seja, a equipe responsável pelo jogador durante cada uma
dessas fase de sua formação, terá direito ao percentual respectivo em qualquer
transação que o envolva durante toda sua carreira de atleta profissional.
Recentemente, a negociação dos jogadores Arthur e Pjanic
entre Barcelona (ESP) e Juventus (ITA) trouxe um aspecto desse mecanismo à
tona: o valor sobre o qual o mecanismo de solidariedade deve incidir. Isso
porque, a essência da transação em questão consistiria em uma troca (permuta)
pela qual o Barcelona (ESP) cederia Arthur à Juventus (ITA) e, em troca,
receberia Pjanic mais €10mi.
Nesse cenário, muitos especularam que os clubes brasileiros formadores
de Arthur (Grêmio e Goiás com direito a, respectivamente e aproximadamente,
3,5% e 0,75%) teriam o seu direito de mecanismo de solidariedade calculado
apenas sobre a contraprestação recebida em dinheiro pelo Barcelona (ESP), no
caso os €10mi.
Crédito: Football Espana |
O que se verificou, no entanto, foi a formalização da
transação de um modo que se denominou “engenharia fiscal”, pelo qual o Barcelona
efetivamente vendeu Arthur à Juventus por €72mi (com €10mi
adicionais vinculados a cláusulas de desempenho) nesse exercício social que se
encerra em 30/06/2020, ao mesmo tempo em que a Juventus venderá Pjanic ao
Barcelona por €60mi no exercício social seguinte. A motivação por trás
dessa “engenharia fiscal” é o atendimento por ambos os clubes dos parâmetros de Fair Play
Financeiro impostos pela UEFA.
Independente dessa motivação, o fato é que a forma como a
negociação foi estabelecida, simplificou a questão do cálculo do mecanismo de
solidariedade devido aos clubes formadores de Arthur, o qual será simplesmente
calculado sobre o montante inicial de €72mi, podendo ainda ser acrescido pela
ativação de alguma das cláusulas de desempenho de até €10mi no futuro.
De qualquer modo, mesmo que a negociação tivesse sido
formalizada como uma troca, a conclusão quanto ao mecanismo de solidariedade não
seria muito diversa. Isso porque, é entendimento pacífico do Tribunal Arbitral
do Sport – TAS de que devem ser considerados no valor da transação sobre o qual
incidirá o mecanismo de solidariedade todas as formas de contraprestação, no
que se inclui direitos de outros jogadores cedidos. Justifica essa conclusão no
argumento de que as regras pertinentes a esse mecanismo devem ser interpretadas
no sentido de promover os interesses por trás dele, quais sejam, compensar e
incentivar os clubes formadores de atletas de futebol.
Importante frisar, no entanto, que a Decisão Arbitral (CAS
2012/A/2929) que estabeleceu esse entendimento considera que a mensuração do
direito de jogador eventualmente cedido em uma troca deve se ater ao valor
atribuído pelos clubes envolvidos no instrumento que formalizou aquela permuta. Tal
interpretação abre brechas a distorções, na medida em que os clubes envolvidos
podem, de comum acordo, decidir atribuir valores irrisórios a jogadores tendo
por uma das finalidades, justamente, diminuir o montante devido a título de
mecanismo de solidariedade.
Melhor seria considerar o valor justo do atleta, que nesse caso
geralmente se confundirá com seu valor de mercado. Apesar de essa espécie de
mensuração estar sujeita a algum grau de subjetividade, é possível preveni-la
com a contratação de profissionais avaliadores imparciais. Melhor isso do que
sujeitar-se à fraude, conforme proporcionado pelo outro modelo, prejudicando,
assim, a finalidade do mecanismo da solidariedade.
Em um cenário de escassez de recursos financeiros no setor
futebolístico, como o proporcionado nesse momento pela pandemia da Covid-19, as trocas de jogadores entre clubes tendem a se tornar cada vez
mais comuns, propiciando a eles suprirem suas necessidades desportivas sem
necessariamente terem de desembolsar quantias em dinheiro. Por essa razão, a
questão levantada a respeito da melhor forma de se mensurar os direitos cedidos
de jogadores em trocas entre clubes, para fins de cálculo do mecanismo de
solidariedade, talvez justifique a revisão do entendimento do TAS no sentido proposto.
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