quinta-feira, 23 de julho de 2020

Análise das Demonstrações - Avaí (2019) - Parte II

Na segunda parte da postagem, analisaremos a demonstração do resultado do exercício, demonstração dos fluxos de caixa e apontaremos nossas considerações finais.
Para acompanhar o início da discussão, acesse o link da primeira parte.




2. Demonstração do Resultado do Exercício

Na demonstração do resultado, as principais análises são sobre as receitas e custos/despesas.

2.1. Receitas

Primeiramente, percebe-se que a receita reconhecida pelos direitos televisivos do campeonato brasileiro é a que mais se altera caso o clube participe das séries A ou B. A variação é significativa, tendo em vista que a receita de 2017 e quase 4 vezes superior na comparação com a de 2016 e a de 2019 é mais de 7 vezes superior a de 2018. 

Destaca-se que as outras receitas são menos variáveis, principalmente a com mensalidade dos sócios que apresenta viés de alta ao longo dos anos, mesmo o clube tendo disputado a segunda divisão em duas temporadas. A bilheteria oscila mais e tem relação com a participação na série A.

Corrigido pelo IPCA até dez/2019: Av = Análise vertical: Verificar a representatividade da receita em relação a receita bruta. Exemplo: AV Bilheteria = Bilheteria/Receita Bruta.
Corrigido pelo IPCA até dez/2019 (Azul mais escuro = Série A, azul mais claro = Série B)

Outra receita importante para o Avaí, principalmente no ano de 2018, é a receita com venda de atletas. Abaixo segue uma lista de alguns atletas negociados no período que renderam quantias relevantes para o clube. Outros atletas foram vendidos no período, mas avaliamos que estas foram as principais vendas. Saliento a importância das categorias de base avaiana, tendo 3 atletas vendidos e que geraram boas receitas para o clube, para além do retorno técnico (exceção feita ao atleta Raphinha).

2018 – Guga R$ 7.500.000 e Alemão (não divulgado nas demonstrações, mas foi um valor inferior a R$ 4.000.000. Tal valor pode ser estimado em função da diferença entre a receita total com venda de atletas subtraída a venda do atleta Guga, a qual foi divulgada)
2017 – Gabriel € 3.000.000.
2016 – Raphinha (atleta da base) € 600.000.

2.2. Despesas

A principal despesa de um clube de futebol geralmente é a remuneração de atletas. Esta se divide em salário na carteira, como qualquer empregado que está sujeito a CLT, direitos de imagem e direito de arena, recebidos a partir de outra regulamentação específica. O que é relevante para esta postagem, entretanto, é analisar de maneira conjunta os três gastos. Caso você queira entender um pouco mais sobre este assunto, recomendo a postagem escrita pelo João Krauspenhar que consta neste link.

Remuneração do departamento profissional

A despesa por si só não é tão informativa, mas sua relação com a receita total torna o cenário mais interessante para nossa análise. Percebe-se que essa relação foi sendo reduzida ao longo dos anos. Qual o valor adequado para tal relação? Bem, ele não existe. No relatório da UEFA (Fair Play Financeiro) é apresentado que uma relação superior a 70% é contraindicada. Isso quer dizer que o Avaí possui margem para aumentar seu gasto com salários? Sim. Ele deve fazer? Depende. Para além da pura análise quantitativa, deve-se analisar aspectos qualitativos cuja competência é designada aos profissionais do clube. O gasto deve ser realizado de maneira eficaz e efetiva. O gasto abaixo do nível, por si só, não necessariamente será algo positivo.


O maior exemplo é a comparação entre 2019 e 2017, anos que o clube esteve na série A do campeonato brasileiro. Em 2017 o clube fez 43 pontos, mesma pontuação do 16º colocado e quase escapou do rebaixamento. Em 2019, por outro lado, o clube fez apenas 20 pontos e foi rebaixado com bastante antecedência. Em termos de percentual de receita, o gastou-se praticamente no mesmo nível de pouco mais de 30%. Entretanto, conforme sugerido no podcast de terça-feira do Troféu Avaí pelo Felipe, outra relação que pode ser feita é com o gasto para conquista de cada ponto. 
Em 2017, cada ponto no campeonato brasileiro custou pouco mais de R$ 500.000. Já em 2019, cada ponto custou aproximadamente R$ 1.110.000. Existe a limitação de não considerar o desempenho em outros campeonatos como Copa do Brasil e Campeonato Catarinense nesta análise, mas acredito que a manutenção na série A seria mais importante que o título catarinense conquistado em 2019. A manutenção na série A por um longo período tornaria o time mais competitivo e possivelmente levaria o clube a dominância também no estadual. Basta comparar a receita do campeonato catarinense (pouco mais de R$ 500.000) e do campeonato brasileiro (R$ 49.000.000).

2.2.1. Despesas com jogo

O clube apresentou o valor de R$ 7.944.157 nesta conta como custo do futebol profissional, sendo que anteriormente não havia tal rubrica. Seria interessante que o clube detalhasse ou pelo menos informasse quais valores poderiam ser lançados nesta conta. Possivelmente gastos com Arbitragem, borderôs, taxa de policiamento entre outros, os quais apareceram zerados em 2019 sejam lançados agora nesta conta. Entretanto, mesmo somando esses valores, não se chega à quantia total da nova rubrica, portanto deve haver composição com outras despesas. 

2.2.2 Evolução das despesas administrativas 

O aumento deste tipo de despesa pode ser justificado a partir de maior investimento nas atividades administrativas do clube, entretanto, a falta de transparência não permite avaliar quais são as atividades que estão tendo maior contribuição. O lançamento em rubricas mais genéricas não permite análises mais detalhadas, as quais poderiam evidenciar aspectos positivos do gasto nesta área. Portanto, algo que poderia ser avaliado como positivo em função de maior profissionalização dos departamentos, por exemplo, acaba sendo avaliado como negativo em função da ausência da transparência.
Corrigido pelo IPCA até dez/2019


2.3. Superavit/Deficit

Após o confronto entre todas as receitas e despesas, há duas possibilidades:

Receitas>Despesas = Superavit/Lucro

Receitas<Despesas = Deficit/Prejuizo

Pelo gráfico, percebe-se que o Avaí apresentou nos últimos três anos superávits. Cabe ressaltar que esta situação é extremamente rara no futebol brasileiro. Destaca-se que um clube de futebol, estruturado como associação sem fins lucrativos, não tem como objetivo principal superávits consecutivos de maneira recorrente. De igual forma, não se deve avaliar como uma organização que pode apurar déficits recorrentes. Consideramos que o equilíbrio nesse caso é salutar. A apuração de superávits permite a formação de uma reserva para tempos difíceis. Bem como é possível que a participação em uma série B acarrete em um deficit. Em 2018, ano que o clube subiu da segunda para primeira divisão, caso o atleta Guga não tivesse sido vendido, o clube teria apurado Deficit.


3. Demonstração do Fluxo de Caixa

Por meio da análise desta demonstração alguns pontos podem ser destacados: 

A partir de suas atividades operacionais o clube conseguiu gerar movimentação financeira com saldo positivo (mais de R$ 11 milhões), o que é um ponto extremamente benéfico. 

Nas atividades de investimentos, aproveitando deste fluxo positivo da atividade operacional, fez investimentos importantes em seu imobilizado (estádio e centro de treinamento, por exemplo) e intangível (atletas de base e profissionais) 

Na parte de financiamentos, também se aproveitando dos fluxos positivos da atividade operacional, pagou a totalidade da dívida bancária, sendo que no ano anterior o fluxo teve sentido inverso, isto é, o clube necessitou de recursos emprestados para se financiar.

Corrigido pelo IPCA até dez/2019

4. Considerações Finais

A partir da avaliação das demonstrações do Avaí referentes ao ano de 2019 algumas conclusões podem ser levantadas: 

Na análise de tendência a partir da comparação com os últimos, é possível afirmar que a gestão vem conseguindo reduzir o endividamento bancário, ajustar parcelamentos, investir em imobilizado e em atletas, principalmente das categorias de base. Estes aspectos são extremamente positivos, pois apontam um direcionamento de reduzir o risco de insolvência do clube. Casos como Cruzeiro, Corinthians e Botafogo, em níveis distintos, apresentam o que pode acontecer com o clube a partir da má gestão e gasto acima do que é arrecadado. A redução dos adiantamentos mostra um direcionamento bastante interessante, enquanto clubes como Vasco apresentam receitas adiantadas um e até dois anos a frente do presente. 

Por outro lado, aspectos como o aumento das despesas administrativas e o surgimento das despesas com jogo no último ano alertam para a um aspecto importante. Transparência. A postagem de um documento escaneado, com a página do % de direitos econômicos dos atletas faltando, erro na formulação das notas explicativas (nota 13, por exemplo) indicam uma falta de zelo na divulgação. Em função dos resultados econômicos serem positivos, há, inclusive, incentivos para elaboração de um relatório mais profissional. O relatório do Athletico Paranaense, na minha opinião, é um exemplo a ser seguido. Apresenta fotos dos jogos e ilustra o relatório de maneira como se fosse uma apresentação de resultados de uma empresa. 

Independentemente de o Avaí ser uma associação sem fins lucrativos, o objetivo deve ser seguir os bons exemplos no campo empresarial. As críticas feitas na postagem não têm a intenção de desmerecer o trabalho feito no clube, o qual apresenta bons resultados, mas sim sugerir alterações com o objetivo de alcançar resultados ainda melhores.

Muito obrigado pela atenção e recomendo escutar nossa conversa com o pessoal do Troféu Avaí e o presidente do Conselho Fiscal do clube, Luciano Kowalski. Foi um bate papo importante e que demonstra uma boa iniciativa do Luciano em conversar com o torcedor e esclarer alguns pontos das demonstrações financeiras. Um ponto interessante é a proposta do conselho de disponibilizar demonstrações mensais, tal qual o Esporte Clube Bahia, para que o torcedor possa acompanhar mês a mês de maneira mais transparente. A função do conselho fiscal é justamente fazer o "meio de campo" entre a administração do clube e o conselho deliberativo e a torcida.

[Podcast]
Neste programa especial sobre o balanço financeiro de 2019 e sobre as contas do clube, conversamos com Fábio Minatto, contador, doutorando em Ciências Contábeis e colaborador do site https://futnancas.blogspot.com e com Luciano Kowalski, também contador e presidente do Conselho Fiscal do Avaí.

Confere aí:


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