sexta-feira, 19 de junho de 2020

MP 984: uma perspectiva jurídica


A edição da Medida Provisória (MP) nº 984 no último dia 18 acendeu um vigoroso debate no meio futebolístico a respeito do melhor modelo de negociação dos direitos de transmissão pelos clubes de futebol. Para além dos impactos econômicos e, por tabela, desportivos dessa MP, é preciso considerar alguns aspectos jurídicos.

Em resumo, a MP nº 984 alterou o art. 42 da Lei Pelé para dispor que o direito de transmissão do espetáculo desportivo cabe unicamente ao clube que detém o mando de campo. Ou seja, um veículo de comunicação poderá transmitir uma partida de futebol apenas com a autorização do clube mandante. Até então era necessária a autorização de ambos clubes de futebol envolvidos no espetáculo.

Um primeiro ponto que chama a atenção é a circunstância de essa matéria ter sido disposta por meio de uma MP. Isso porque, esse é um instrumento normativo com força de lei que deve ser utilizado pelo Presidente da República apenas “em caso de relevância e urgência”, nos termos da Constituição Federal. Por ser uma exceção momentânea à tripartição dos poderes – segundo a qual cabe ao Poder Legislativo editar as normas –, sua utilização deve se limitar às situações relevantes e urgentes que não possam aguardar o usualmente longo processo legislativo. Não parece ser esse o caso da MP em discussão, o que de início já prejudicaria sua constitucionalidade.

De qualquer modo, a MP perderá a eficácia caso não seja convertida em Lei pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período. Nessa situação, o Congresso Nacional deverá disciplinar por decreto legislativo as relações jurídicas dela decorrentes, quais sejam, as consequências de eventuais transmissões e contratos ocorridos com base na MP.

Outro ponto que chama a atenção diz respeito a uma questão já levantada pelo Grupo Globo – principal detentor dos direitos de transmissão no futebol brasileiro – relativa ao fato de que os contratos de direito de transmissão celebrados até então o foram com base na norma anterior, ou seja, contemplaram tanto a situação de mandante quanto de visitante. Nesse sentido, independente do que dispõe a MP, até o fim da vigência dos contratos já celebrados, o Grupo Globo deteria o direito de transmissão inclusive dos espetáculos em que os clubes contratantes com ele fossem visitantes. Ou seja, a nova dinâmica estabelecida pela MP somente se aplicaria aos contratos celebrados após a sua edição.

Não é possível adiantar qual a interpretação que o judiciário dará a esse entendimento, ou, então, se o Congresso Nacional alterará a redação da MP para deixar claro qual a solução a ser dada a essa situação específica. É possível, no entanto, afirmar que levantará questionamentos sob distintos ângulos.

Conforme se vê, a situação posta pela MP está longe de ser definitiva sob a perspectiva jurídica. Melhor teria sido endereçar a questão através de um regular Projeto-de-Lei, o qual possibilitaria uma ampla discussão com os interessados e, certamente, uma solução mais estável. De qualquer modo, a discussão de mérito ocasionada por ela é relevante, devendo de algum modo ser tratada pela sociedade.


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