quarta-feira, 23 de setembro de 2020

BREVE HISTÓRIA DE UM TIME RUBRO ANIL: VAMOS VOLTAR A FICAR AZUL, AZUL DA COR DO MAR

Uma amizade entre três amigos no dia 17/03/1919 foi o ponta pé inicial para a fundação, na cidade de Itajaí, de um dos mais antigos e importantes clubes de futebol do Brasil: CNMD – Clube Náutico Marcilio Dias. O nome foi uma homenagem ao marinheiro Marcílio Dias, morto na guerra do Paraguai. Nascido como clube náutico, esporte que na época despontava e reunia outros quatro clubes náuticos no estado, gradativamente foi descobrindo o futebol. Em 1925 foi campeão catarinense de remo e no tênis em 1945/47. O remo era ainda principal, mas o futebol começa a despontar e em 1930, o Marcílio obteve o seu primeiro vice-campeonato. Outras sete vezes - não é conta de mentiroso - o time bateu na trave e obteve o vice-campeonato catarinense.

Fonte: Site do Marcílio Dias

 

Na década de 60 foi marcante e o Marcílio montou o melhor time de sua história e foi o campeão do Torneio Luiza Mello em 1963, além de dois vice-campeonatos. Diz o dito, nos arredores do grande estádio das avenidas, que enquanto o Santos tinha Pelé e o Botafogo Garrincha, o Marcílio tinha Sombra, Achiles, Ratinho, Odilon, Idésio e Jorginho dentre outros craques que marcaram sua história. Do mar para os gramados, o clube escolheu como mascote o carismático Marinheiro Popeye com seu olho saltado e seu famoso refrão: Ventos me levem! Com as cores azul e vermelho, parecido com o Bonsucesso, Crystal Palace e San Lorenzo, o rubro anil tem semelhanças até com o fabuloso Barcelona, vinte anos mais velho. 

Mas, 98 anos depois, o sonho dos jovens amigos que imaginaram um clube “cujos fins são proporcionar à mocidade exercícios de natação, remo, gymnastica, tênnis e outras diversões compatíveis com sua cultura physica” quase ruiu. 

Certamente, as dificuldades não são apenas para os jovens que começam a empreender suas belas viagens pela vida. Um quase centenário guerreiro nascido em 1919 também precisa enfrentar as vicissitudes impostas pelo tempo. O crepúsculo da vida parece ser apenas para humanos, não para times de futebol, apesar dos pesares do tempo. Como diz o Manchester United: We will never die! 

Sintomático que “no balanço apresentado em 2017, a diretoria que naquele momento assumia o Glorioso Cílio relata que o “presidente do conselho recebeu em outro clube da cidade, em mãos, uma carta enviada pelo presidente anterior informando que o término de seu mandato, solicitando as medidas necessárias para a continuidade da administração do clube, acompanhada apenas de uma chave do portão do Estádio e nada mais, nenhum relatório, nenhum balancete, nenhum contrato, nenhuma outra chave das salas do clube”

A história com dificuldades começa bem antes. Pelos balanços encontrados nos sites da FCF e do Marinheiro, um caminho com muitas pedras já vinha sendo percorrido pelo time sensação da década de 60. Certamente esse caminho é de muitos e talvez da maioria dos 650 clubes profissionais que disputam alguma modalidade (campeonatos estaduais e nacionais) no Brasil. A verdade é que a maioria desses 650 times enfrentam dificuldades de toda ordem e sobrevivem sem ninguém conseguir explicar como efetivamente conseguem. 

Seis anos seguidos com passivo a descoberto e dívidas trabalhistas quase impagáveis transformou, mas não abateu o velho guerreiro: caiu e com muita luta está se reerguendo. Alguns relatos no balanço de 2016 dão conta das dificuldades, da falta de cuidados, e da realidade da gestão do futebol à brasileira. Quando um time está indo muito mal, talvez seja preciso levá-lo ao hospital. Não é só dinheiro, mas gestão! Contudo, parece que a cada derrota ou gol sofrido, as receitas diminuem e as despesas disparam. 

Apenas algumas pistas constantes naquele fatídico balanço: supressão ou omissão de transações nos registros contábeis, manipulação ou alteração dos registros, registro de operações sem comprovações, aplicação incorreta das normas contábeis, registros inadequados e arquivos incompletos, diferenças entre registros contábeis e documentos, não contabilização de ativos e depreciações, não registro de passivos, falta de conciliação, etc.. dizem muito sobre o dia-a-dia do que acontece em muitos clubes. Os balanços de 2019 e 2020 não serão muito diferentes dos seis anos anteriores, mas certamente o Marcílio continuará firme seguindo o lema do Manchester: nós nunca morremos! 

Dados econômico-financeiros das demonstrações do Marcílio Dias (Em milhares de reais)

  

Talvez o futebol seja muito diferente de empresas ou outras organizações que conhecemos. Certamente precisa de títulos, vitórias, carisma, torcida e dinheiro para pagar “algumas” contas. Mas, o incrível é que quando sobram apenas carisma e torcida, o coração continua batendo, inexplicavelmente batendo. Talvez o resultado econômico-financeiro seja “meramente contábil” como dizem por aí. 

Veja que a história das empresas mostra que muitas não conseguiram sobreviver por muitos anos e todos nós temos alguma história sobre empresas que nasceram, cresceram e morreram. Interessante que “O S&P 500, que lista as maiores empresas norte-americanas, mostra que a expetativa de vida média de uma empresa encurtou em mais de 50 anos no último século, de 67 anos, nos anos 20, para apenas 15 anos atualmente”. Entretanto, muitos clubes continuam envelhecendo firmes e fortes....e quebrados. Como isso pode ser explicado? 

Em um artigo clássico publicado na New York Magazine em 1970, Milton Friedman afirmava que a responsabilidade social de um negócio é aumentar seus lucros. Hoje em dia, sabemos que as empresas modernas ampliaram esse foco. Além do resultado positivo, o social, o ambiental e a governança devem estar presentes na equação do resultado econômico. Com resultados pífios, sem o ambiental, com pouco social e baixa governança, os clubes precisariam construir uma nova equação que consiga aliar a sobrevivência financeira à esportiva ou vice-versa. Dinheiro parece não faltar e clubes de futebol são certamente muito diferentes de empresas. A responsabilidade social de um clube de futebol não é aumentar seu lucro [ou obter superávit] como afirmava o famoso Nobel de 1976 sobre as empresas. Qual seria então o objetivo atrelado a responsabilidade social de um clube de futebol? 

Talvez o objetivo seja apenas pagar as contas, fazer gols, vencer jogos e perseguir títulos. Na verdade, não existe análise econômico-financeira que consiga explicar a razão da continuidade de um time de futebol (going concern), diante de problemas crônicos apresentados nas suas demonstrações financeiras. Perdem, ganham e empatam, anos sem títulos, mas firmes no caminho. Uma quantidade de times de futebol pelo Brasil afora, muitos centenários como o Cilinho, já entrando na meia idade, nem pensam em pendurar suas chuteiras. Continuam alegrando seus torcedores que nunca entregam os pontos, torcedores fiéis e de coração, cujas derrotas, fracassos e anos seguidos sem ver seu timão ganhar nada ou quase nada, nunca foram suficientes para espantar a esperança: esse torcedor tem certeza de que no próximo ano seu time será campeão. Quem sabe esses balanços também não sejam tão ruins assim e o problema é que o maldito contador não consegue registrar o que qualquer torcedor sabe muito bem. O valor de seu time está no ativo imaginário. Alguma coisa que vale muito, mas ninguém sabe bem o que seja e jamais poderia ser efetivamente registrada nos balanços. Vários poderiam ser os exemplos. Todos difíceis de mensurar. 

Pense naqueles jogadores que vestiram o manto sagrado rubro-anil, nas histórias vividas em cada jogo, nas vitórias incríveis, ou mesmo nas derrotas humilhantes que provam que o futebol é vida - isso também é ativo. Pense nos técnicos aclamados e tantos outros xingados, nos juízes que roubaram e outros que tentaram, nas lindas jogadas e outras tantas trapalhadas. Pense nos lindos gols e em outros que quase entraram, além de tantos outros anulados, perdidos e tomados. Pense no craque do time, mas também nos outros 10 que também lutaram. Pense no cara na sua frente que se levanta na hora errada e você perde a jogada. Pense na constante reclamação, nos berros e até no palavrão – como numa escola, sempre se aprende um novo. Pense no caminho até o estádio ou até a geladeira. Pense na esperança dos 44 do segundo tempo, ouvindo o rádio no escurinho, até a derrota se confirmar. Isso também é ativo. Mas não esqueça de pensar sempre que seu time irá ganhar, mesmo que...esqueça! Não tenha nenhuma dúvida! Acredite que um dia novamente será! Pense que o mais importante é o caminhar. Em 2020, o Marinheiro quase chegou lá. É novamente impossível explicar o que aconteceu. Então, pense alto para ajudar e recite baixinho o poema de Quintana para não desanimar. 

Se as coisas são inatingíveis... ora! 
Não é motivo para não querê-las... 
Que tristes os caminhos, se não fora 
A presença distante das estrelas!


Foto do histórico time campeão de 1963 – Fonte: Blog do Nassif

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